terça-feira, 1 de junho de 2010

Da coragem


Não é incrível quando você finalmente senta na cadeira do cabeleireiro – coisa que só faço a cada 7 meses, apesar dos apelos quase ameaçadores do meu marido e da minha vó – e se dispõe a uma transformação generosa, pra então sair de lá i-gual-zi-nha e ainda com uns fios fora do lugar que vão te dar um trabalho de merda? Na boa, não faço escova, não seco o cabelo. Às vezes nem penteio quando acordo. Se a porra da mulher não teve coragem de me sugerir uma tintura ruiva e um permanente, ao menos me poupasse os minutos de pente depois do banho.

 

Mudar é foda. Porque, se “radical” não for a palavra de ordem, nada acontece. O cabelo continua  a mesma bem-aventurada palhaçada que foi a vida toda, sem arrependimentos e sem novidade. A cabeça idem. Tenho me percebido, dolorosamente, uma pessoa cagona e sem atitude.  Fico adiando o dia em que vou voltar lá, sentar na cadeira e dizer: pinta de preto, corta joãozinho e me chama de Bloody Mary. Fico adiando o dia em que vou pegar a herança da minha mãe e viver três anos na França, com meu amor e meus filhos. Fico preterindo as conversas importantes, as palavrinhas que podem machucar, os grandes medos, enfim.

 

Novinha, eu era a rainha da mentira. Cheguei a falsificar as notas do boletim e a assinatura do meu pai, na 6a série, porque tinha medo da reação em casa quando chegasse com vermelhinhas e advertências por mau comportamento. Hoje jogo duas culpas: uma nos meus pais, que me matavam de medo, apesar de serem tão amorosos quanto o chamego patermaterno permite ser; e a culpa maior jogo em mim mesma e na minha personalidade covardésima, que antes tinha pavor de encarar a bronca dos pais por más notas e hoje tem pavor da falta de harmonia no meio da sala e das pequenas coisas não-ditas que podem gerar ecatombes.

 

Se alguém morrer nesse meio-tempo de interrogação, que eu não sei quanto dura e nem se acaba, será que meu travesseiro vai permitir qualquer sono, sabendo que “things were left unsaid”? Claro que não. E aí surge a diferença. A transformadora nem se pergunta – vai e resolve e fala e muda pra França; a medrosa corre o risco de ver acontecer, pensa na vó sozinha e longe dos bisnetos, considera os sentimentos de quem pouco se fodeu pros dela, olha pra conta do banco, faz contas. A medrosa penteia o cabelo quando sai do banho e pensa que talvez tenha sido bom a cabeleireira não ter confiado na liberdade que lhe foi dada. Cortou três dedos, desfiou uns bagulhos e pensou com ela mesma: “essa aí é fogo de palha”. Covardes não mudam de vida – nem cortam o cabelo pra mudar.  


PS (sobre a ilustração acima): o tema me lembra um livrinho que ganhei da Julie, minha grande amiga de infância e vida, que conheci quando morei na França, pequenininha feito joana de bolinhas, e que é minha menina-moça até hoje, aos quase 30. Filha de português com francesa, ela lia de tudo que brotava desses dois mundos - e me deu de presente uma história querida chamada "Cortei as Tranças", do António Mota. Pequeno e triste, o livro viria a ter muito mais a ver comigo do que a Julie poderia imaginar na época (a gente tinha uns 9 anos, se muito). Hoje pensei de novo nele, e nela. E no fato de eu não ter cortado as minhas. Enfim, remarco horário no cabeleireiro pra amanhã, a pedido do meu marido, que não quer voltar de viagem e me ver "ca mesma cara bagaceira" (sic meu, não dele - só está subentendido). E, pros curiosos, a Julie ganhou de mim, na mesma então-época, "O Meu Pé de Laranja Lima". Aquela bomba básica da literatura infantil brasileira, pra acabar com o coração da gente desde a mais tenra idade. 

6 comentários:

  1. Mudar é bom e algumas vezes se faz necessário.
    Já me peguei pensando muito sobre as mudanças - e as não mudanças, essas, muito mais - e independente de quando aconteçam, sempre acontecem na hora certa.
    Semana passada, por exemplo, misturei activia com tesoura e caguei na minha franja, aqui mesmo, no banheiro de casa. Não era a hora nem o lugar, mas me senti tão bem, com meu antigo visual, que me trouxe boas lembranças...
    A franja continua uma bosta, hoje, presa pra trás, mas a alma tá levinha, levinha...
    Beijão! moça linda da tv do quiosque do shopping!

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  2. Bi, minha querida Bi,

    eu adoro uma mudança (de visual e de cidade, principalmente) mas nem sempre essa "coragem" te torna mais corajoso. Muitas vezes só serve pra você perceber que o medo existe por uma razão, preservação!

    PS.: essa não foi a primeira e, certamente, não será a última vez que Fabi caga na franja no banheiro... Faz, pelo menos, 12 anos que situações como essa se repetem... Hahaha

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  3. Quando pensamos ser mulher forte, a realidade toma conta e nos faz ter medo de realizar coisas, das mais simples - cortar o cabelo - às mais complicadas - mudar de país.

    Eu tenho milhões de motivos pra mudar minha vida e todas as condições para isto. Sempre achei que fosse corajosa o suficiente pra tanto. Hoje pareço ter um certo medo de mudar por pensar demais. Mas, como disse o pessoal acima, só podemos ficar felizes com as mudanças. Por pior que seja o resultado, a alma é lavada quando tentamos, pelo menos.

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  4. 1- Pois é, Fabi-da-franja-curta (putz, adorei seu novo nome indígena!). Quando eu tinha uns 16 anos, era bem como vc: tinha coragem de meter a faca eu mesma, na frente do espelho e da vida. O problema não é sentir a necessidade de mudar - isso, muitas vezes, é bom; o lance é não ter a coragem, por ene motivos. Esse ene é o grande saco que precisa virar eme logo, e vambora, que tem um alfabeto inteiro pela frente.

    2- Como diz o Ismael, Marcelito, a mudança de visual ou de cidade pode não te tornar mais corajoso, mas é certamente um estímulo. Se vc consegue isso, por que não aquilo? Conservadorismo e medo vivem escondidos nos mínimos e nos máximos detalhes - do corte de cabelo e camisa que vc compra sempre da mesma cor, sempre no mesmo lugar, às atitudes que vc toma pra ser mais gente (ou ficar igual e foda-se). Preservação é bom pra cacete, mas daí vem a pergunta: será que vc está preservando as causas e pessoas certas?;

    3-Pensar demais nunca é ruim, Rapunzel (caiu tão bem qto o apelido indígena da Fabi - se Tata lesse esse blog, concordaria). Ruim é quando a gente pensa, pensa e guarda tudo na gaveta. Quando vc vê, tem 27 gavetas cheias e nenhuma porra de atitude tomada na vida. Viva os cabelos domáveis, claro - mas que eles tapeiam muito a gente e fazem esquecer que às vezes é necessário brigar com o pente pra ser feliz, fazem.

    Eta, pessoas essenciais! Bom feriado pra vcs. Se estiverem sem nada pra fazer, amanhã estaremos no zoológico de SP - Ismael gravando, eu imitando elefante arisco com o Isminha. Programaço!

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  5. A mudança não está do lado de fora e sim do lado de dentro.Não é algo que se racionaliza, apenas acontece é um processo natural dos ser humanoe está além do seu controle.Aliás não controlamos nada nessa vida.Portanto, aproveite, viva, esteja com os sentidos abertos para aproveitar a vida que se abre frente aos seus olhos. Independente de cabelo, país, ou endereço o verdadeiro universo de mudanças se posta em nossa própria estrada de tijolos amarelos. Viver é um ato de coragem por si só!
    Beijo enorme Super Bi !!!!

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  6. Ela não é mesmo a maioral? hahahaha
    Beijos, Clarkson querida.

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