quinta-feira, 27 de maio de 2010

O pode-não-pode da gravidez

Pensei que fosse ser uma matéria sobre coisas importantes a se fazer ou não durante a gravidez, pero no. Trata-se de pintar cabelo, tirar esmalte, raspar a perna, passar creminho. Mas como CANSA ouvir que não pode fumar, cheirar, beber, injetar, inalar cola, tomar ácido e pular de barriga em espeto de pau, faz bem ler sobre supérfluos, só pra mudar de ares:

http://br.noticias.yahoo.com/s/27052010/25/entretenimento-liberado-proibido-na-gravidez.html

Só me pergunto se alguém realmente segue todas essas neuroses ao pé da letra. Parece que estar grávida é mais perigoso do que ser um portador do vírus HIV em fase terminal preso dentro de um ônibus cheio de gente muito, muito, muito gripada.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Ele


Ele gosta de Mac e mergulha batatinhas na mostarda e no catchup, sempre nessa ordem, sempre em abundância. Ele sorri pra parede vazia e diz “tchaaau, Bobô” – que eu não faço a mais vaga ideia de quem seja, mas tem jeito de primeiro melhor amigo. Ele fecha os olhinhos e cantarola no telefone quando o pai tá do outro lado da linha. Já sente saudades, apesar de não entender bem o que é isso. Ele vem correndo afobado e risonho quando me vê esperando na porta da escolinha. Ele tem uma pelúcia preferida – um gatinho daqueles mole-molengas, que ele segura bem apertado até pegar no sono, de mansinho. Ele acorda no meio da noite e grita “dá!” até alguém aparecer e contar pra ele que ainda é noite, que precisa dormir mais. Se deixar, ele sai do berço às 3h e brinca tudo de novo. Ele faz rocambole com as mãozinhas no ar e esconde a cara, imitando alguma música que aprendeu com as professoras e que a tonta da mãe não reconheceu ainda. Mas já sabe também rodar, rodar, rodar, pé, pé, pé, descendo até o chão no caranguejo peixe é. Não é funkeiro, graças ao nosso bom senso, e nem faz ideia do que seja rebolation – mas faz as coreografias do Michael Jackson e assiste This is It de cabo a rabo, numa concentração de gigante estudioso.

Ele dá beijinho na testa e abraça quando vê a gente chorando. Daí me sinto eu meio menina, ele meio paizão, e isso me surpreende tanto que até paro de soluçar feito criança. Ele dirige um caminhão de bombeiro do Cascão e briga com o Domingos, que deixa o rabo comprido no meio do caminho – mas não passa por cima porque já é gente demais pra fazer maldade com bichinhos. Ele já segura a caneta direitinho, apesar de ainda não decidir se é destro ou canhoto, e desenha bolas quase perfeitas. E, com tudo isso, o que mais me impressiona é ver que um belo dia ele pega um carrinho de brinquedo, pro qual nunca deu bola, e arrasta agachado pelo chão fazendo “brrrruuuuuum”. É quando me dou conta de que meu moleque tá virando um homenzinho, daqueles que gostam de futebol e têm preguiça de tomar banho todo dia. Boba de tudo, sinto o queixo tremelicar.

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"Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.


A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.


A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.


Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.


Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade


Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.


Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
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Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
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Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?"


Fernando Pessoa

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Licença-maternidade: ô abre-alas, que eu quero passar com minha pança




Ser mãe, além de essencial à existência de absolutamente tudo que há à nossa volta, é um direito garantido por lei. Porque ser mãe não é engravidar, trabalhar até o último dia do nono mês de gestação, agendar uma reunião com o obstetra pra desencravar o bebê do seu útero e voltar pro escritório no dia seguinte. É claro que algumas mulheres conseguem, como uma tal ministra-Hulk de algum país distante que, segundo meu bem-informado e nada exigente marido, teve um filho e voltou a trabalhar dois dias depois do parto – nem sei se normal ou cesárea, mas que leoa, jesuis. “Claro que deve ter um bom par de babás e provavelmente não amamenta”, disse ele, “mas essa não é a questão”. Outra exceção são os milhões de trabalhadoras fodidas na vida pra quem as Leis da Natureza parecem não ter aplicação.



Mas isso está ERRADO, minha amiga. Ser mãe é respeitar as mudanças no seu corpo e na sua vida e, acima de tudo, poder cuidar da sua cria, caceta. E se você se encontra entre o grupo que não tem superpoderes e está se matando no trabalho por cagaço de perder o emprego ou ser substituída por uma miúda de vinte anos, bunda magra e disposição pra trabalhar dezoito horas por dia pela metade do seu salário, pare e use a cabeça. Isso aqui não é competição pra ingressar na banheira do Gugu e seu bebê exige que você diminua o ritmo, doa a quem doer.



Eu trabalhei bem até o sétimo mês da minha primeira gravidez, mas depois disso meu corpo entrou numa curva descendente e gritava pra mim, de manhã ao sair da cama, logo após os almoços extenuantes com clientes e longas tardes na frente do computador, sacolejando no ônibus lotado pra chegar em casa, comer qualquer coisa e tomar um chuveiro rápido antes de deitar: “CHEGAAAAAAA!”. Outro problema é quando sua cabeça, que já tá a mil por hora por causa da chegada de um bebê, não suporta mais piti de clientes mimados ou exigências de chefes desesperados por resultados.



Isso também influencia na decisão sobre o momento de sair de licença-maternidade, a menos que você seja muito zen e não estresse com pessoas incompetentes, telefones que tocam incessantemente e impressoras que engolem papel, ou que sua rotina de trabalho não envolva fatores irritacionais. Imagino, por exemplo, que pintoras de lindas aquarelas no sul da França, biólogas que estudam o comportamento das tartarugas terrestres aleijadas e mulheres-cobaia das novas linhas de cosméticos e massagens da Helena Rubinstein não passem por isso. O resto das mortais infelizmente passa, então é necessário saber quando e como dar um basta.



No meu caso, a transformação foi radical. Primeiro porque sofro de uma patologia chamada pelos especialistas de AISAPMH – Alta Irritabilidade para Sons Agudos Provenientes de Mulheres Histéricas. Ou seja, me irrito profundamente em ambientes cheios de mulheres falando ao mesmo tempo, discutindo o último capítulo da novela e chorando porque o namorado não ligou, a unha encravou ou o padeiro se esqueceu de tirar a azeitona da empada que elas só-co-mem-sem-a-zei-to-na. Apapu!... Grávida, minha tendência ao mau humor explícito só fez crescer e contaminar situações que antes meus nervos conseguiam encarar, como as crises de um diretor de eventos que me ligava à meia-noite pra falar da morte da bezerra DELE.



Resultado: sentei com minha chefe, assumi minha total incapacidade pra lidar com certas tensões na reta final da gravidez e, em questão de uma semana, saí pra cuidar do que realmente andava ocupado minha cabeça, minhas calças, minhas blusas enormes e meu apetite: o bebê que chegaria logo mais. Diga-se de passagem que nesta altura do campeonato o pobrezinho ainda não tinha berço, carrinho, quarto, nada. Eu tinha muito a fazer antes de abrir as pernas na maternidade para o glorioso momento de pipocar o rebento pra fora.

É importante frisar também que eu chutei o pau da barraca antes dos 45 minutos do segundo tempo porque já tinha tomado a decisão de cuidar do meu filho sem ajuda de ninguém e trabalhar em casa, custasse o que custasse, pra poder ficar com ele. Não tendo minha mãe pra zelar pelo netinho no fim da licença-maternidade e sendo absolutamente alérgica a babás e similares, a única opção que enxerguei foi abrir mão do salário e do emprego fixo pra me virar do jeito que desse sediada em casa.



É aí que começa a graça e surge a Terceira Onda da Maternidade. Analise comigo, sim?



DA PRÉ-HISTÓRIA À DÉCADA DE 70: as mães eram mães em tempo integral. Cuidavam das tarefas do lar e dos filhos 24 horas por dia, sem se aventurar no mercado profissional, seja porque era impossível conciliar as duas coisas, seja porque os maridos neandertais achavam que lugar de muié é em casa, cas teta pendurada no fugão.



DA DÉCADA DE 70 AOS DIAS ATUAIS: onda das mães modernas, que trabalham fora e cuidam dos filhos só no período noturno. Geralmente essas mães precisam ajudar no sustento da casa ou trabalham fora porque gostam mesmo, ponto. A opção pode ser bacana, já que você descansa da maternidade durante um período e vira mãezona pra descansar do trabalho no outro, mas daí você precisa de alguém pra ficar com sua prole durante o dia – seja mãe, sogra, babá ou empregada doméstica com nove braços.



A TERCEIRA ONDA: mães que trabalham em casa E cuidam dos filhos em tempo integral. Quando o bebê dorme, você corre para resolver as pendências do trabalho; se ele não dorme, resolve com ele no colo. Reuniões, eventos, gravações, tudo é feito com o pequeno a tiracolo – e nos perdoem os que ficam constrangidos nos momentos da amamentação. É cansativo, sim, mas eu acredito que não tem nada mais gratificante do que poder acompanhar ao vivo e a cores o desenvolvimento turborrápido do bebê, ao invés de ouvir pelo telefone que o seu filho, que você mesma carregou na barriga por nove meses, disse a primeira palavra dele – e você não estava perto pra ouvir. Pior: a primeira palavra foi “Neide”, nome da babá, pra quem ele estranhamente olha e sorri quando alguém pergunta: “cadê a mamãe?”. O quê?!!! Nem a pau, Juvenal.



Tudo tem seu preço e esse eu resolvi bancar: sou da Terceira Onda, eô, eô. Tô mais pobre e aprendendo a fazer um monte de coisas que nunca imaginei fazer na vida, mas tô feliz de trocar cada fralda e acompanhar cada descoberta do pequeno, ao mesmo tempo em que eu mesma descubro uma nova profissão: a de mãe-jornalista-secretária-produtora-cozinheira-vacaleiteira-assistentedemágico-escritora-tudo-ao-mesmo-tempo-agora-sem-mais-esperar. Diploma só após nove meses de obesidade galopante e outros pares de meses de noites mal dormidas.



Agora, se você não sofre de AISAPMH ou se quer manter seu emprego depois do fim da licença-maternidade e tem com quem deixar o baby, aqui vão as pílulas de sobrevivência da Mulher-Hulk durante os quatro meses de idílio em casa (ou seis, se você for rabuda) e para preparar o terreno na hora de voltar ao trabalho:



1- Assim que puder, converse com seu chefe ou diretor, sei lá, sobre como funciona a licença-maternidade na empresa onde você trabalha. Caso seu emprego seja informal, essa conversa é mais importante ainda, afinal o que vai definir sua vida é o quanto o líder da empresa se comove com o fator maternidade e, claro, o tamanho do cagaço que ele(a) tem de você mover uma ação contra a empresa se seus direitos humamãenos forem desrespeitados.



Comigo foi tudo bem tranqüilo. A dona do lugar em que eu trabalhava era bebê-maníaca, mãe de um lindo ruivinho de sete anos; a empresa tinha força de trabalho 90% feminina e minha superiora direta estava justamente de licença-maternidade quando eu descobri minha gravidez. Os termos da minha saída foram discutidos de forma muito justa e eu também fui honesta, explicando que não pretendia voltar após o nascimento do pequeno gafanhoto. Ou seja, não cheguei nem a tirar licença. Dã! Mas vamos considerar os bons exemplos, sim?



2- O Brasil tem uma legislação bem amiga no que diz respeito à licença-maternidade. Pra você ter uma idéia, nos Estados Unidos, que são os Estados Unidos e que todos sabem que estadosunideiam desde que aprenderam a estadosunideiar, não existe lei federal que proteja a licença-maternidade remunerada. Hã?! É isso mesmo que você acaba de ler, minha cara Wonder Woman. Na América do Norte, Terra das Oportunidades, País das Maravilhas e do Politicamente Correto, onde até criancinhas de cinco anos são processadas por levantar a saia das meninas no recreio, as mamães que não voltam à labuta loguinho simplesmente não têm direito a nada e podem perder o emprego ou deixar de receber suas tão merecidas doletas. Por isso geralmente as americanas voltam ao batente quando a cria está só com um mês de vida. UM MÊS!



Então agora bata no peito e cante com a torcida verde-amarela: “eu sou brasileira, com muito orgulho, com muito amo-ô-o-ô-or!”. Aqui, a “working mom” – ou mamãe trabalhadora f**** na vida – tem direitos. Ela pode sair de licença quatro semanas antes do parto e volta somente três meses depois que o bebê nascer. Se você preferir, também pode trampar até o último minuto de gravidez, sair do escritório de taxi com a cabeça do nenê entre as pernas e acumular um mês a mais no seu rico cofrinho de cárcere doméstico. E agora, para o pasmem da Nação, foi aprovada a licença de seis meses, que já tá entrando em vigor em algumas empresas.



Daí voltar ao trabalho é outra coisa, né, moça? O coração aperta, claro, mas pelo menos o serzinho já tá mais forte e esperto o suficiente pra gritar quando não gosta de alguma coisa, come papinha, toma suquinho e passa o dia todo feliz, batendo gugudadá com a turminha. Santa independência, mãe!



3- Diz minha vó materna que ser mãe é padecer no Paraíso (ela também diz que o mar não tem cabelos e que cu de pato não é gaveta, mas essa é outra história que fica pra uma outra vez). Isso vale para as católicas, judias, budistas, muçulmanas, niilistas e até para as ateias como euzinha. Porque a mãe que nasce em você desde o momento em que aquele palito mijado revela seu milagre intra-uterino já vem acompanhada de dois sentimentos inabaláveis: um amor imenso e, para todos os efeitos, in-des-cri-tí-vel, e uma CULPA maior ainda (se for possível; se não for, tão grande quanto). Culpa por comer peixe cru e fumar dois cigarros por dia durante a gravidez, culpa por cair num sono profundo e não ouvir seu filho chorar de fome no meio da noite, culpa por beliscar a ponta do dedinho dele quando você vai cortar aquelas unhinhas mínimas pela primeira vez e o fiodaputa se mexe, culpa por levá-lo pra tomar vacinas doídas todo mês e ser cúmplice dessa chacina de coxinhas gordas e bracinhos macios, culpa por deixar que ele tome friagem e depois ver o bichinho respirar com dificuldade por causa do nariz entupido e do peito cheeeeio de catarro, culpa por achar que ele tá chorando de birra e daí descobrir que ele tá é todo cagado, com a calça borrada até o meio das costas, culpa por sentir alívio quando ele finalmente pega no sono e você abre uma garrafa muito mal-intencionada de vinho enquanto põe um filme de três horas pra rodar. Finalmente, culpa quando chega a hora de voltar ao trabalho e você acha que tá abandonando seu filho e que ele não vai sobreviver nesse mundo cruel e gargamelístico longe de você.



Culpa, menina-mãe, é sua sina. E se você achava que já conhecia bem esse sentimento, afinal traiu ex-namoradinhos, mentiu pra sua mãe dizendo que tava no cinema e, lá no fundo, ficou feliz quando aquela vagabunda da faculdade bateu o carro novo, estava ERRADA. Culpa, menina-mãe, você só conhece de verdade quando põe um filho no mundo. E o pior é que não precisa de motivo. Então engula a seco e faça o que tem de fazer. Se você precisa ou se simplesmente quer trabalhar fora, tanto faz. O que importa é saber que, se você continuar a ser uma mãezona de primeira quando chegar em casa, seu filhote vai ser feliz. E pra ele será como se você nunca tivesse saído porque amor de mãe e pai tem dessas coisas – invade a sala por baixo do tapete, sobe pelas paredes, pendura alegre no lustre do teto e desce macio até o bercinho, mesmo quando a gente não pode estar por perto o tempo todo.



4- Quando você opta por trabalhar em casa ou abrir seu negócio próprio e cuidar do bebê ao mesmo tempo, saiba que vai ter demanda dos dois lados com a mesma intensidade, afinal um não começa só quando o outro acaba e vice-versa.



O pessoal acha que a mãe que fica em casa é folgadona, né? Pois pode mandar o dedo pra essa galera porque ser mãe em tempo integral é bem trabalhoso – e nem todas são capazes de levar a tarefa adiante porque se vêem às voltas com sérias crises de individualidade, achando que o filho tirou delas a liberdade de ir e vir, substituiu o perfume carésimo e as horas de cabeleireiro por cheirinho de gorfo com cocô, acabou com as horas de namoro embaixo do cobertor e ainda deixou um rastro de pelancas e estrias por onde passou. Ok, cada uma na sua, mas esse tipo de drama costuma ser bem resolvido na cabeça das que são mães 24 horas por escolha.



A minha, por exemplo, não só optou por tomar conta dia e noite dos dois minitrogloditas que fomos meu irmão e eu, como fez tudo de mão cheia. Nossa infância foi povoada de histórias incríveis, muito amor, esporros que fazem meu queixo tremer até hoje e deliciosas tardes de sol tomando banho de esguicho e vitamina de banana. E o mais bacana é que, mesmo se dedicando tanto e unicamente à criação da prolífera prole, minha mãe conseguia ser a pessoa mais interessante em qual-quer roda de qual-quer lugar ou esfera social. Foi uma das pessoas mais versáteis e intelectualizadas que conheci na vida. Era instrumentista e cantora, poeta e pintora, jardineira de dedo verde e excelente cozinheira (e ai, que saudade daquela sopa de cebola); entendia de vinhos, pássaros, cachaças e medicina; devorava livros e filmes, manjava trabalhos de carpintaria e de quebra sabia sempre o que tinha de errado com o motor do carro. Portanto, às mães que têm um pouco de medo de perder a identidade no meio de tanta fralda, eu digo que quem nasce pra brilhar brilha – ponto. É só não deixar nunca de exercitar o que você tem de precioso, tanto nas horas vagas e nos momentos de sossego com os amigos quanto na companhia dos seus filhos, que com certeza vão ser seus maiores fãs.



Agora, se além de tudo você decide associar uma vida profissional em casa ao processo de maternidade em tempo integral, prepare o espírito, concheta, porque é uma maratona. O lance é tentar planejar seu dia e criar uma rotina do jeito que der (e só você vai saber qual é) pra que seu trabalho não passe por cima do bebê e pra que o lindinho não engatinhe em cima dos seus papéis ou grite enquanto você fala no telefone com um cliente ranzinza. Assim que pegar o ritmo, você vai ver que não é tão cabeludo quanto você achou que fosse no começo. E daí você vai se sentir a mais completa – e a mais feliz – de todas as mulheres. Assino embaixo.







domingo, 16 de maio de 2010

Plano de saúde, o TERROR

Conselho para as moças que estão pensando em engravidar em algum tempo e, admiráveis precavidas que são, já estão atrás de informações para ter a gravidez mais tranqüila possível (o “admiráveis” é pelo fato de eu não ser, nem nunca ter sido, uma pessoa precavida – e por isso ter arrebentado a cara diversas vezes): façam um plano de saúde IMEDIATAMENTE, mesmo que o projeto de engravidar não seja pra já. Por quê? Elementar, chère Watsonne: o período de carência de TODO e QUALQUER convênio para parto é de 10 meses. Ou seja, se você engravida e só então decide fazer um plano de saúde pra poder amortizar as despesas hospitalares, vai se dar mal. Ele não vai cobrir, ponto. Tenta chorar: não adianta. Tenta espernear: pfffff. Tenta fazer chantagem emocional e dizer que seu filho vai nascer embaixo da ponte: eles estão pouco se fodendo. Tenta oferecer o dobro da mensalidade: eles não precisam. Essa indústria ganha rios de dinheiro e por isso se dá o luxo de desdenhar do seu desespero. É ASSIM. Portanto coloque a mão no bolsinho e previna-se, pra evitar más surpresas na hora H (adoro).

Agora, se você, como eu, não é uma admirável moça precavida e foi pega de calça curta nessa história de plano de saúde – ou seja, só decidiu ir atrás disso quando descobriu que vai ser mamãe –, respire fundo. Não existe salvação, mas dá pra amenizar o estrago. Sugestões:

1- Faça um plano de saúde o mais rápido possível, anyway. Ele não cobrirá seu parto, mas as despesas médicas com pré-natal e exames, sim. A carência para consultas é de 30 dias; para ultrassom, 90 dias; para exames mais complexos, como o ultrassom morfológico, 6 meses. Ou seja, se você assinar o contrato no início da gravidez, vai poder desfrutar de uma gravidez segura com acompanhamento médico menos dispendioso. E, nos quesitos que o plano não cobre integralmente, você pode conseguir bons descontos por ser cliente de algum plano em boa parte dos laboratórios – já é um consolo;

2- As maternidades têm o que chamam de Plano Maternidade para as mamães que não têm convênio. Eles são caros, CLARO, afinal a saúde no nosso país é sucateada e quem quer a segurança de um hospital particular de confiança tem que pagar por ela. E pagar caaaaro. A maior parte desses hospitais, no entanto, parcela o valor do parto, dependendo do tempo com que você fecha contrato – ou seja, se você fecha no 4o mês de gravidez, consegue parcelar o pagamento em 5 vezes; no 5o mês, consegue fazer em 4 parcelas, e assim por diante. Girl, os valores, em São Paulo, estão girando em torno de R$ 7 mil (e os honorários do obstetra e do anestesista não estão inclusos), mas em 5 vezes dói um pouco menos. Um pouco. Corre atrás voando.

3- Precisa ter coragem – e eu confesso que não tive –, mas algumas mulheres dizem por experiência que o sistema público de saúde tem, SIM, boas opções para quem quiser entrar de cabeça. Em São Paulo, o hospital Amparo Maternal (http://www.amparomaternal.org/) traz ótimas referências, por exemplo. Uma heroína que trabalha comigo teve os três filhos lá e disse que tudo correu às mil maravilhas nas três vezes. Cartão do SUS em mãos, gasto zero. E ainda tem as três refeições para o acompanhante, coisa que muita maternidade particular não oferece nem a cacetada. Mas nem sequilho com chá, saca? Pra quem não tem escolha, vale a pena se informar sobre as opções e encarar.

domingo, 9 de maio de 2010

As grávidas de Polanski



VIDEOTECA DA MULHER GRÁVIDA


O Bebê de Rosemary

Categoria: terror macabro

País/ano: EUA, 1968

Duração: 136 minutos

A direção é de Roman Polanski, “aquele pedófilo genial”, segundo meu marido. Esse filme é para corações valentes e grávidas que têm passado tão mal que precisam com urgência saber que a coisa poderia ser muito, mas muito pior. Você tem vomitado até as tripas, sentido tontura sem tomar porre e um cansaço de fim de feira antes mesmo de levantar da cama pela manhã? Tá achando que sua gravidez é a mais sofrida de toda a história da Humanidade? Pois esse é o filme certo pra você. Às favas com a solidariedade – manter o bom humor nessas horas é questão de sobrevivência.

Interpretada pela esquálida e sem sal Mia Farrow no auge de sua juventude (bonitinha, sim, mas depois de cinco minutos de filme a gente já entende por que Woody Allen a trocou pela filha adotiva), Rosemary é uma mocinha bem-casada e feliz, pronta pra viver a tríade dos sonhos de qualquer mulher: o grande amor, a casa nova e a primeira experiência de maternidade. É quando ela e o marido se mudam para um prédio novaiorquino onde mora um casal de velhotes bem bizarro – a senhora, xereta e entrona, não sai do pé da nossa protagonista; e o senhor, aparentemente cheio de boa vontade e pacatão, passa a manter longas conversas secretas com a anta do jovem marido. Já bastante sufocada e irritada pela presença constante dos dois abutres, Rosemary consegue engravidar – e é aí que os absurdos começam de verdade.

Com total consentimento do pai da criança, o casal de vizinhos se impõe com tudo à pobre frangota, forçando goela abaixo as vitaminas que ela deve tomar durante a gestação (e que a velha louca prepara pessoalmente com ervas fedorentas que cultiva em seu apartamento) e até escolhendo o respeitadíssimo médico-obstetra que irá atendê-la. Pra melhorar a situação, Rosemary é acometida por dores horripilantes desde o primeiro dia da gravidez – e tanto o médico quanto o marido e os vizinhos insistem em dizer que não é nada grave, vai passar. Aos poucos a gravidinha entra numa piração completa, não sabe mais o que é delírio e o que é realidade e se vê vítima de uma conspiração diabólica (sim, ao pé da letra).

Será que a criança que cresce naquela barriguinha esturricada é mesmo um bebê inocente? Será que ela tá ficando louquinha da silva e tudo não passa de complexo de perseguição por causa da ebulição hormonal? Ou será que seu doce marido não é o anjinho miojal que ela pensou que fosse? Seja como for, a moça luta até o fim pra manter a sanidade e proteger seu futuro rebento das forças maléficas que ela acredita estarem atrás dele.

Para mamães curiosas: se a ideia é aumentar a intensidade dos arrepios, saiba que o diretor usou um grupo satanista de verdade pra fazer uma cena ritualística medonha que aparece no filme. E o mais assustador é que, pouco depois do fim das filmagens, a atriz Sharon Tate – esposa do cineasta – foi assassinada em um ritual macabro da seita satânica comandada pelo crazy serial killer Charles Manson. Detalhe: ela estava grávida de 8 meses. "Cazz'inculo, La Maman!" Pois é. Vai encarar?

DICAS DO MOMENTINHO CINEMA:

- Ver com um balde enorme de pipoca no colo, afinal o filme é brilhantemente tenso, mas não contém nenhuma cena de virar o estômago (fora as vitaminas verdes que a velha prepara, claro);

- Se seu marido ou namorado estiver junto, firmar previamente um acordo tácito em que:

a) você não vai acabar o filme olhando pra ele com o rabo do olho e desconfiando toda vez que ele te oferecer um copo d’água;

b) ele não vai cavar briga no meio do filme só porque a Rosemary confia mais nas antigas amigas do que no próprio marido – afinal, no contexto em que a pobrezinha se encontra, faz todo o sentido do mundo achar que o marido é o próprio demo.

sábado, 8 de maio de 2010

Rainha de maio e seus desdobramentos

Para mães de primeira viagem

Diretamente do diário de bordo de minha primeira gravidez, quando esperava o grande Ismiggles, para as mães que pretendem engravidar em breve ou estão passando por isso agora. E para as que estão passando pela segunda, terceira, quarta in-utero-trip. Afinal, é sempre bom relembrar.

O mês de maio se tornou uma ovelhinha negra e amarga no meio do meu ano. Três meses de gravidez completos e uma felicidade sólida entre os dentes, dei de cara com um 30 abril que me lembrou o tema. No dia seguinte, feriadão de frio, faria dois anos que minha mãe se internara no Einstein para mais um tratamento escalafobético de seu tumor cerebral. No segundo domingo de maio, Dia das Mães, a bichinha já dormia um sono profundo e que, a gente saberia depois, não teria bem um fim. 19 de maio, comemoramos o aniversário do meu pai no quarto superluxo do hospital – ele, eu, uma pizza do Viena e uma garrafa de vinho; ela, dormindo. 23 de maio, a vida parou de respirar de vez. Seis dias antes de minha moça morena completar 54 anos e um resto todo de vida do lado de cá.

Desde então, bem sem querer, passei a odiar secretamente o mês de maio. Por mais que eu não goste de pontuar datas mórbidas no calendário (ao contrário de minha avó, que assopra velas e enfeita túmulos até no aniversário da primeira dentição), o maldito mês ficou com essa pecha de má digestão. E olha que minha mãe gostava de flores de maio, cantarolava bonito noite adentro e fazia festas homéricas ao som de boleros para brindar anos com meu pai. Mas em mim ficou a impressão besta de que choveu no meu piquenique. É aquela coisa lusco-fusca que os olhares diagoneiam e ninguém comenta, mas eu bem vejo – lá vêm aniversários de doença e morte, e eu querendo fugir de pedras tombais; lá vêm os 56 anos que não viraram a mesa, e eu sem paciência pra nada nem ninguém; lá vem o Dia das Mães com seus presentes e almoços felizes, e eu sem a minha.

Só sei que ando achando graça porque esse ano tem um quezinho a mais saracoteando no meu ar. Porque agora o tal segundo domingo de maio é também meu. Não sei ainda se a coisinha acaba com “a” ou “o”, se vai gostar do frio de maio e se vai ter mania de me escrever bilhetes tortos no Dia das Mães. Mas torço, pés juntos e olhos apertados, pra que esse mês passe logo. E, se for menina, pra que tenha os olhos bem pretos e um sorriso bonito de meia-lua. Aí vai se chamar Lenita, ouvir boleros velhos no colo do pai, pintar as paredes da casa e dar gargalhadas muito altas, daquelas que enchem a vida da gente de um não-sei-quê contente. Pra essa mãe aqui entender que tudo é novo e vale, mesmo, a pena.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Osso duro de roer

Um dos meus trabalhos consiste em escrever sobre gastronomia, como já disse aqui. E sempre me exclama no rosto o tanto de analogias que dá pra gente fazer entre vida e comida, vida e bebida, comida e gente. Vida e enfins, enfim. Hoje me veio esse texto delicioso pra fazer sobre um menu de carnes com ossos que o restaurante La Casserole, templo absoluto do que eu chamo de cozinha francesa de verdade aqui em São Paulo, vai lançar em breve. Vem bla, vai bla, surge a seguinte afirmação: toda carne próxima do osso, quando cozida lentamente, ganha em sabor, maciez e personalidade, produzindo resultados inegavelmente mais poderosos. Por isso os caldos, numa cozinha que se preze, são feitos a partir de ossos e carcaças – e daí vêm os caldos restauradores, que renovam nossas energias porque trazem a “força dos ossos”.


Pois bem, fico aqui me indagando sobre o quanto o filé mignon da vida não fez de mim uma banana. E sobre o quanto, de fato, só me transformo em mulher forte quando a vida é osso. No meu caldo restaurador, andam boiando umas dezenas de ossinhos velhos e alguma carcaça bem pesada dos fantasmas que atropelam meu bem-estar. Mas bem-estar é filé mignon, most of the time. Talvez continuasse a ser uma banana split, sem bolas ou cobertura, se a vida não tivesse lá seus ossos. E acredito muito na sabedoria da chef e dona do La Casserole, mais baseada em fatos milenares do que a minha – "cozinhe com osso, minha filha, cozinhe com osso. Você vai sair dessa muito mais forte e muito mais gente do que entrou".