quarta-feira, 2 de julho de 2014

XUXA, FUNK E MENSTRUAÇÃO

Estava aqui conversando com uma das minhas fontes da ala sub-18, que me contou que teve um desenvolvimento rápido na infância e menstruou com 9 anos. Não dá pra dizer que foi culpa das gorduras trans pulverizadas na atmosfera pelo Mac Donald's, afinal as mulheres da família dela, todas criadas numa cidadezinha do interior umas três décadas antes - quando a única sombra possível de hambúrguer e queijo processado tava pastando e mugindo feliz no quintal de casa -, já menstruavam aos 8 ou 9 anos. Aí a mãe zelosa levou a nova "mocinha" no médico da família pra uma consulta de rotina. O dinossauro esbravejou: não deixe a menina ver novela ou cenas de beijo na televisão, que essas coisas antecipam a menstruação e causam a sexualização precoce.  

Bom. Eu não sou médica nem sexóloga, mas já coloco a afirmação do Doctor Dino ao lado de pérolas da sabedoria como "grudar uma linha com cuspe na testa do bebê faz com que ele pare de soluçar" e "bater muita punheta deixa os meninos impotentes". Eu comecei a me masturbar com 5 anos de idade - o que obrigou minha mãe a ter comigo uma primeira conversa-mais-ou-menos sobre sexo. A masturbação acompanhou toda a minha infância, de mãos dadas com brincar de boneca, esconde-esconde, escolinha e Banco Imobiliário. E, apesar das minhas minhas taras de Lolita profana, tudo correu com a maior naturalidade possível. Não menstruei aos 6 anos, mas aos 11, como a maioria das meninas da minha geração; não engravidei aos 11, mas dei meu primeiro beijo de língua aos 13, achando bem nojento. Enrolei namorados e quando estava com quase 18 perdi a virgindade, ao invés de ganhar netos. Isso quando metade das minhas amigas já tinha dado e a outra metade estava ainda em vias de dar. 

Esclarecida a questão da menstruação, na minha época os adultos também achavam que a sexualização estava acontecendo cedo demais. Infância curta, crianças andando de saltinho, saindo de balada e transando sem casar. Claro que isso não podia ser fruto da educação mais libertária da época e de avanços (ou retrocessos) que eles mesmos tinham feito na criação dos próprios filhos, então a culpada era a Xuxa. Eu (confesso que) fui bem fã. Amava cantar Ilariê na frente do espelho, apesar de minha mãe não deixar usar bota de cano alto, batom vermelho ou unha comprida até os meus 20 anos (pra ela não era questão de idade, mas de ficar com cara de puta, mesmo). E hoje tudo isso acontece de novo, mas a culpa é do funk - assim como nossos avós garantiam que, no caso dos filhos DELES, os culpados foram o rock e aquele sujeito que rebolava, como era mesmo o nome dele...? Ah, Elvis Presley. Se sua filha menstrua antes dos 10, a culpa é dos beijos na televisão; se sua filha de 12 anos se descobre lésbica, a culpa é da novela das oito, em que elas até casam e têm filho; se sua filha de 15 anos já dá pro namorado, a culpa é da música daqueles maus elementos que se esfregam de shortinho sem calcinha nos bailes-funk dos morros do Rio.  

A conversa-mais-ou-menos sobre sexo que minha mãe teve comigo quando eu tinha 5 anos foi mais-ou-menos-assim: todo mundo faz. Eu faço, seu pai faz, seu irmão ainda não faz, mas um dia vai fazer. Eu e seu pai também fazemos juntos, é o que as pessoas adultas fazem quando se gostam. Mas é uma coisa nossa, assim como tem que ser uma coisa sua. Então faz quando estiver no seu quarto, na hora do banho, usando o banheiro... O resto do mundo não precisa ver. É um momento gostoso e só seu. 

Falar de sexo e viver o sexo deveria ser assim, como numa explicação pra uma criança de 5 anos que não faz A MENOR IDEIA do que a gente tá falando (e pra quem o que a novela mostra, o funk esfrega e a Xuxa canta não importam tanto quanto pra você, que já dá um significado pessoal e intransferível de experiência pro assunto). Eu lembrei isso pra minha mãe quando ela, anos depois e bem menos sabiamente, veio me pedir pra preservar minha virgindade, "que não voltaria mais". Teria sido muito melhor ela me dizer o quanto era gostoso e que, na hora que eu sentisse que tava a fim, era pra deixar rolar mesmo. Namoros terminam, às vezes a gente sofre, depois começa tudo de novo, isso é a vida, né? Existem coisas bem mais importantes pra gente tentar preservar ao longo do tempo. 

É claro que não fico assistindo às melhores cenas de "Azul é a cor mais quente" na frente dos meus filhos pequenos. Ninguém com 3 anos de idade precisa saber como duas mulheres devem fazer pra dar uma boa trepada. Mas não sou eu, do alto da minha geração e das minhas crenças e complexos pessoais, que vou dizer QUANDO eles vão precisar, sim, saber. Nem eu, nem a novela, nem a Xuxa, nem o funk. São eles, no contexto de vida deles e do jeito que eles acharem bom. Isso dito, será que posso dormir tranquila depois de descobrir que ESSE é o novo vídeo favorito dos meus filhos no youtube? 


sexta-feira, 27 de junho de 2014

A MULHER DE HOJE

Estava lendo uma briga de blogueira do Estadão com blogueira da Folha - guerrinha velha e sonolenta - sobre a mulher moderna. Uma diz que foi criada pra ser independente, trabalhar, estudar, falar palavrão, não entender de cozinha e faxina e gostar de uísque como os homens - mas que a sociedade, em contrapartida, não criou os homens pra gostar desse tipo de mulher. A outra replica, com pulga na calcinha: a gente tem é que parar de ser chata. Tem, sim, muito homem preparado pra ser parceiro da mulher moderna - e enquanto algumas ficam ranhetando e falando mal de macho pras amigas na mesa de bar, outras, tão bem sucedidas e independentes quanto elas, estão dando pra eles e sendo amadas, merci.

Nessa briga, ponto pra blogueira da Folha, com certeza. Mas, mais do que isso, fiquei com comichão de dizer que ainda me impressiona - e entedia - essa discussão sem fim sobre mulheres x homens. Aliás, espremendo mais fundo, essa discussão boba de mulheres x mulheres. Me lembrou o dia macabro em que eu, filha de cesariana e mãe por cesariana duas vezes, tive que ouvir a atual mulher do meu pai dizer que "parir de parto natural faz com que você se sinta mais mãe" - outra conversinha pra boi dormir que simplesmente BOMBA nas redes sociais. Não importa se meus filhos saíram por cima, por baixo ou pelo buraco do meu nariz. O que importa é que tipo de mãe sou e vou ser pra eles, numa construção diária e franca, cheia de erros e acertos. Minha mãe foi do caralho, nos erros e nos acertos - e melhor do que muita mãe que botou filho pra fora dentro de banheira cheia d'água. Por isso, quando ela me mostrava a cicatriz e dizia que eu tinha saído dali, eu achava bem lindo. Nada do que vegetarianos de plantão digam vai mudar isso. Porque ela foi, sim, uma mãe do caralho, de quem eu morro de saudade todo santo dia. Imperfeitamente genial.

Então volto à questão da mulher. Me cansa o papinho da "mulher à antiga e submissa" x "a mulher moderna e incompreendida". Tá na hora de entender que tá tudo no mesmo balaio. O pulo do gato não tá em ser independente e bem sucedida, mas sem tempo e paciência pra fazer crochê, nem em ser a dona de casa prendada e a mãe zelosa, mas que não sabe dar um basta pro marido ou ganhar o próprio dinheiro. O segredo (vá lá) tá na individualidade - e em entender a individualidade daqueles "seres do sexo oposto" que a gente esbarra pelo caminho. A gente precisa costurar o que acha bom e ponto. 

Conheço uma mulher que estudou muito, trabalha, é um diamante na carreira, não teve filhos, não gosta de cozinhar. É inteligentíssima, culta, chique, amorosa, emotiva, hilária, perspicaz. Dá sempre sinal de vida na hora certa e faz com que a gente se sinta, entre um átomo e qualquer deus, importante pra cacete. Amo de paixão. Foi a melhor amiga da minha mãe - e, como já disse outra vez, hoje é a única que aceito como mãe-postiça, com medalhinha de honra ao mérito, carinho de quase-útero e dedicatória no meu livro, voilà. Conheço outra que nunca trabalhou fora nem fez faculdade, viveu pra cuidar da filha e do marido, viu os dois morrerem. E hoje, com 88 anos de idade, vive - de novo e ainda, bem pra caralho - pra cuidar dos netos e bisnetos, numa casa em que dá pra lamber o chão e comer polenta à espanhola, ensinando a neta a ser mais sábia e a passar uma porra de uma camisa. Oh fuck! Também amo de paixão. 

Alguém vai me dizer que uma tá certa e a outra errada? Que uma é de outros tempos e a outra atualíssima? E alguém vai me dizer que não posso ser as duas?

My ass, bicthes. Tomo uísque, cerveja e vinho - às vezes os três ao mesmo tempo, com péssimo resultado, tenho que admitir. Falo um francês perfeito, inglês de seriado e português com bastante palavrão; esfrego cuecas de três homens, acordo de madrugada pra servir lanchinhos, sou foda pra dirigir; leio livros de receitas, finanças e psicologia, comando uma empresa de comércio de mágica num shopping superlotado, visito minha avó; cozinho pratos típicos de qualquer lugar do mundo, passo roupa muito mal, converso com jornalistas e produtores de TV, falo bosta em rede nacional, atendo clientes que procuram qualquer saída pra voltar a respirar a vida. Pego meus filhos na escola, brinco e brigo com eles, peço desculpas. Ou não. Escrevo, dou risada com meu marido, amo e durmo de conchinha, falo pra ele sair com os amigos e chamo gente bacana pra dançar Beatles e Beyoncé comigo até o sol nascer. Ou não. Faço o que der na telha. Sou mãe e mulher do jeito que me dá na telha. Não sei de que data ou com que tarja, mas com certeza do jeito que acho bom - e do jeito que aprendi com cada mulher que admiro. E foda-se a tarja delas, by the way. Exatamente como minha mãe - ou não.

Pra quem estiver interessado pela briguinha, claro, eu mando os links. Vale a pena ler:

O primeiro:
http://blogs.estadao.com.br/ruth-manus/a-incrivel-geracao-de-mulheres-que-foi-criada-para-ser-tudo-o-que-um-homem-nao-quer/

E a resposta:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2014/06/1476515-a-incrivel-geracao-das-mulheres-chatas.shtml