sexta-feira, 27 de junho de 2014

A MULHER DE HOJE

Estava lendo uma briga de blogueira do Estadão com blogueira da Folha - guerrinha velha e sonolenta - sobre a mulher moderna. Uma diz que foi criada pra ser independente, trabalhar, estudar, falar palavrão, não entender de cozinha e faxina e gostar de uísque como os homens - mas que a sociedade, em contrapartida, não criou os homens pra gostar desse tipo de mulher. A outra replica, com pulga na calcinha: a gente tem é que parar de ser chata. Tem, sim, muito homem preparado pra ser parceiro da mulher moderna - e enquanto algumas ficam ranhetando e falando mal de macho pras amigas na mesa de bar, outras, tão bem sucedidas e independentes quanto elas, estão dando pra eles e sendo amadas, merci.

Nessa briga, ponto pra blogueira da Folha, com certeza. Mas, mais do que isso, fiquei com comichão de dizer que ainda me impressiona - e entedia - essa discussão sem fim sobre mulheres x homens. Aliás, espremendo mais fundo, essa discussão boba de mulheres x mulheres. Me lembrou o dia macabro em que eu, filha de cesariana e mãe por cesariana duas vezes, tive que ouvir a atual mulher do meu pai dizer que "parir de parto natural faz com que você se sinta mais mãe" - outra conversinha pra boi dormir que simplesmente BOMBA nas redes sociais. Não importa se meus filhos saíram por cima, por baixo ou pelo buraco do meu nariz. O que importa é que tipo de mãe sou e vou ser pra eles, numa construção diária e franca, cheia de erros e acertos. Minha mãe foi do caralho, nos erros e nos acertos - e melhor do que muita mãe que botou filho pra fora dentro de banheira cheia d'água. Por isso, quando ela me mostrava a cicatriz e dizia que eu tinha saído dali, eu achava bem lindo. Nada do que vegetarianos de plantão digam vai mudar isso. Porque ela foi, sim, uma mãe do caralho, de quem eu morro de saudade todo santo dia. Imperfeitamente genial.

Então volto à questão da mulher. Me cansa o papinho da "mulher à antiga e submissa" x "a mulher moderna e incompreendida". Tá na hora de entender que tá tudo no mesmo balaio. O pulo do gato não tá em ser independente e bem sucedida, mas sem tempo e paciência pra fazer crochê, nem em ser a dona de casa prendada e a mãe zelosa, mas que não sabe dar um basta pro marido ou ganhar o próprio dinheiro. O segredo (vá lá) tá na individualidade - e em entender a individualidade daqueles "seres do sexo oposto" que a gente esbarra pelo caminho. A gente precisa costurar o que acha bom e ponto. 

Conheço uma mulher que estudou muito, trabalha, é um diamante na carreira, não teve filhos, não gosta de cozinhar. É inteligentíssima, culta, chique, amorosa, emotiva, hilária, perspicaz. Dá sempre sinal de vida na hora certa e faz com que a gente se sinta, entre um átomo e qualquer deus, importante pra cacete. Amo de paixão. Foi a melhor amiga da minha mãe - e, como já disse outra vez, hoje é a única que aceito como mãe-postiça, com medalhinha de honra ao mérito, carinho de quase-útero e dedicatória no meu livro, voilà. Conheço outra que nunca trabalhou fora nem fez faculdade, viveu pra cuidar da filha e do marido, viu os dois morrerem. E hoje, com 88 anos de idade, vive - de novo e ainda, bem pra caralho - pra cuidar dos netos e bisnetos, numa casa em que dá pra lamber o chão e comer polenta à espanhola, ensinando a neta a ser mais sábia e a passar uma porra de uma camisa. Oh fuck! Também amo de paixão. 

Alguém vai me dizer que uma tá certa e a outra errada? Que uma é de outros tempos e a outra atualíssima? E alguém vai me dizer que não posso ser as duas?

My ass, bicthes. Tomo uísque, cerveja e vinho - às vezes os três ao mesmo tempo, com péssimo resultado, tenho que admitir. Falo um francês perfeito, inglês de seriado e português com bastante palavrão; esfrego cuecas de três homens, acordo de madrugada pra servir lanchinhos, sou foda pra dirigir; leio livros de receitas, finanças e psicologia, comando uma empresa de comércio de mágica num shopping superlotado, visito minha avó; cozinho pratos típicos de qualquer lugar do mundo, passo roupa muito mal, converso com jornalistas e produtores de TV, falo bosta em rede nacional, atendo clientes que procuram qualquer saída pra voltar a respirar a vida. Pego meus filhos na escola, brinco e brigo com eles, peço desculpas. Ou não. Escrevo, dou risada com meu marido, amo e durmo de conchinha, falo pra ele sair com os amigos e chamo gente bacana pra dançar Beatles e Beyoncé comigo até o sol nascer. Ou não. Faço o que der na telha. Sou mãe e mulher do jeito que me dá na telha. Não sei de que data ou com que tarja, mas com certeza do jeito que acho bom - e do jeito que aprendi com cada mulher que admiro. E foda-se a tarja delas, by the way. Exatamente como minha mãe - ou não.

Pra quem estiver interessado pela briguinha, claro, eu mando os links. Vale a pena ler:

O primeiro:
http://blogs.estadao.com.br/ruth-manus/a-incrivel-geracao-de-mulheres-que-foi-criada-para-ser-tudo-o-que-um-homem-nao-quer/

E a resposta:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2014/06/1476515-a-incrivel-geracao-das-mulheres-chatas.shtml