sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

FIM DO MUNDO... AND I FEEL FINE!



Quero que meus filhos cresçam acreditando na morte. A morte na sua elegância exata, assim como ela é, rodriguiana, reconvexa e amedrontadora.

Não sou gótica nem cultuo estatuetas de magia negra escondidas no fundo falso do armário, oxalá. Mas tenho a certeza absoluta de que acreditar na morte faz a gente ser melhor – e conseguir, dia sim, dia não, fazer um pouco mais por nós mesmos e por quem gostamos de gostar. Porque aí não tem essa de paraíso, segunda chance, sete vidas, estamos-aqui-só-de-passagem-e-deixa-que-eu-empurro. A única oportunidade pra fazer qualquer merda, eloquente ou não, boa ou não, é agora. Quer tirar a prova dos sete? Morre aí e me conta. Se um dia neguim vier cutucar o dedão do meu pé pra provar que tô errada, juro que faço um “vale este” nesse blog. Ra.

Não gosto de conversas sobre fim do mundo, salvação de poucos e bons e também dos que estiverem em cima do morro estocando feijão. Se o mundo acabar, ninguém se salva, a não ser as bactérias que vivem em promiscuidade abundante com certos funguinhos no fundo do mar. Na minha casa não tem poréns ou pecados – apenas a promessa doída de que a gente faz, com erros, suor e muito carinho, o possível pra que eles vivam felizes e durmam um sono mais gostoso. E pra que a morte seja um ponto e vírgula, não só um ponto, se a gente conseguir deixar qualquer legado bacana. Amém.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Para minhas sobrinhas

Tenho duas sobrinhas que me fazem sonhar ser mãe de menina.
Uma é a cara e os passos do pai, nos (muito) bons e nos que a tia aqui acha um saco, como espiritismos, purismos e blablablás. Ficou órfã de mãe muito cedo e passou por ecatombes, diga-se de passagem. Mas ela é tão dona do próprio nariz que tenho certeza de que vai se tornar uma questionadora daquelas que transformam pessoas e mundo, não devagarzinho, mas por terremotos - assim como eu fiz, um dia, na vida. No resto, é um lince - saca tudo de videogame, é fã de Beatles, toca piano, faz o próprio almoço e se põe pra dormir sozinha, na hora certa, sem precisar de ninguém pra apagar a luz.

A outra é um doce de criatura. Tão doce que acata - e se adapta - a todas as groselhas do pai, ora bravo, ora bonachão. Mas na maioria das vezes muito bravo, como qualquer Araujo é - ou deveria ser. E dentro dela explode uma diva, literalmente uma DIVA, que ainda vai criar asas pra ser um vulcão de vida, sabores, texturas, viagens, músicas, porres, talento, leituras, inovações, beleza, savoir vivre. Gabi é mulherão sem nem ter chegado lá ainda e me enche de paixão e energia sempre que a gente se vê, longe ou perto do pai bravo, porque o que tem nela não chega nem a se esconder, mas a se comportar, timida e precisamente, quando a sabedoria fala mais alto.

Aqui em casa tenho dois selvagens que crio entre amores e berros, basicamente. O Isminha brinca de desenhar homem aranha e dar porrada no irmão; o Tom curte morder minhas costas e gritar bem alto e feroz pra eu colocar o filme que ele quer ver; o Isminha passa o dia imitando um Tiranossauro-Rex pela casa enquanto eu tô com cliente no telefone; o Tom coloca o prato no chão e come feijão com as mãos. O resto ele dá pro cachorro, mas não sem antes passar uma bela mãozada de feijão pelo rabo dele. Quando eu mando escovar os dentes, parece que ordenei a câmara de gás. E a tampa da privada tá sempre levantada, com aquela água mijada boiaaaando na vida, porque o carinha tem preguiça de dar descarga. Pois bem.

Nessas horas mentalizo uma princesa. Sim, eu que sempre odiei tons de rosa e histórias de virgem pálida, anel de brilhante e manicure, mentalizo uma princesa. Ela gosta de roupinhas cheirosas e bem passadas e não suporta ficar com as mãos sujas. Ela arruma os ursinhos de pelúcia na estante porque acha uma merda quarto bagunçado. Ei, não preciso nem pedir - isso vem dela. Na tevê, filminhos palpitantes de meninas mal-amadas que sempre têm um final feliz. Sem porrada, sem sangue-muito-vermelho-brutalmente-espatifado-contra-a-tela. A minha menina ama laranja, e sorri. Ela se chama Lenita.

Os dois tupis aqui de casa olham pra ela e se perguntam QUE PORRA ESSA MENINA FRESCA VEIO FAZER NO NOSSO REINO; o pai, que tem como máximo de proximidade com mulher as próprias sobrinhas, no começo vai achar sensacional - pra depois querer morrer, acorrentar no quarto, proibir mundos e fundos, pegar no colo e proibir de novo, afinal macho nenhum vai fazer com a filha dele o que ele fez com as dos outros. E a mãe aqui, do alto de seu trono-torto, vai pegar a mão da pequena, ninar, brigar e chorar junto. Sofrer todas as mazelas - e pisadelas - que acontecem quando você é menina, afinal. E perguntar, quando o mundo dela estiver por um triz, depois de tantas cagadas e erros cometidos, o que minha mãe me perguntou uma vez: filha, do que você precisa?

Enquanto isso, os moleques vão precisar de camisinhas (muitas) e dinheiro pra balada. Eu sei.

PS: esse post também tem trilha sonora:

sábado, 22 de setembro de 2012

Poesia boba da massinha... boba.

Esse post tem trilha sonora: http://www.youtube.com/watch?v=satMi-rws1A

Meus filhos têm cheiro de esfiha.
Quando chega a hora da birra,
Deixo que se esparramem com farinha e água.
“Mãe, quero uma geleca nova.”
Felicidade branca, eis a prova.
Farinha e água na bacia
Mão na massa, chão coberto de poeira
Quem tem qualquer receita de alegria?
Leio devagar, trigo ou rosca,
Lá vai a história da mãe tosca.
Põe mais água, joga manteiga – e nem pergunta o tamanho do estrago
O pequeno ri sozinho, o mais velho amassa feliz
E no pensamento velho e vago
Sou a melhor das mães – por um triz.

Essa noite foi das boas. Falei com minha vó sobre o Boni
E ela já viu entrevistas, sabe de tudo.
A espanholinha é foda, aos oitenta e seis

Sabe bem mais que eu
Sabe bem mais que vocês.
Mas ei, quanto vale a permuta?
Ser sabida e recatada ou ser preguiçosa e puta?
Esse poeminha não é pra criança

E casa com capas de revistas velhas
Vó, cê sabe quem vem hoje?
O Saci Pererê dos mortos, que não deixa Isminha dormir.
O monstrinho de dedos estranhos
A monstrenga que não respira direito
E nada assusta mais do que a dor roxa que a gente leva no peito.
Por isso eu faço massinha
Água, mãozinhas sujas de branco e farinha
Pra que mais, me diz?
De novo - e pra sempre -, nunca pensei que pudesse ser feliz.
 

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A QUEDA - "pour mamans et papas".




Me lembro de quando conheci o Ismael. Nas primeiras semanas, o estômago nem pensava. Era uma paixão bonito-abestalhada assobiada em clima de tango que embalava nossas horas. Depois foram surgindo as diferenças, mas naquele tempo nada passava de uma mosquinha incômoda ao pé do ouvido. “Olha onde cês tão se metendo”. A gente abanava a orelha e dormia de conchinha. Sai daqui.
Das diferenças, a maior era de ideias, pequenas e grandes, que apareciam no fundo das taças de vinho ou no desassossego dos relógios vazios. Pra resumir, ele era leitor de Diogo Mainardi e eu, uma ferraz contestadora. Do quê, até hoje não sei – e nem por quê.  Falsa idealista num quarto cor-de-rosa, eu me escondia na barra da saia de meus pais e criticava sem ler jornal, lambuzando os dedos de profiteroles.

Com a cama e o tempo, fui me acostumando a ler o cara – ou a ouvir frases levemente geniais que Ismael me gritava, do assento da privada ou da poltrona da sacada, porque eram espertas demais pra não serem compartilhadas. E depois de dois filhos e um mundo de diarreias pseudo-intelectuais que eu ainda insistia em defender, dei de cara com o estardalhaço. Entrevistas e críticas sobre o quinto livro dele, “A Queda”. Mainardi falando pelos cotovelos sobre a obra recém-parida e contando com um tesão de gôzo tranquilo que aquilo é simples e bestamente a história “dele”. Não dele Diogo, mas dele Tito – seu filho mais velho.

Pra encurtar assunto e post, Diogo Mainardi é pai desse menino bonito que tem paralisia cerebral. O lance foi causado pelo erro médico da senhorita que foi responsável pelo parto do pequeno em Veneza, onde Diogo vivia com a mulher. A italiana resolveu apressar o parto porque era sábado e ela queria sair logo do plantão, pra tomar vinho e dar a pancetta, sabe-se lá. O resto vocês vão descobrir pelo próprio livro, que não se deixa ler – se OBRIGA a ler em uma sentada de três horas. E o que me faz conversar sobre isso às 4h30 da madrugada de uma quinta-feira cansada é, além do pontapé inicial, comovente em si (e passando longe de sentimentalismos remelentos), a forma com que Mainardi escancara a história de seu filho pro mundo. A escrita é foda. A inteligência é foda. Os anos de estudo, leitura e pesquisa sobre qualquer tema que toque o fato ou o tempo e espaço em que ele se deu são foda. A ironia é foda, e pra poucos e bons. Mas ei, aqui, ironia e inteligência caminham de mãos dadas, num casamento deliciosamente metido a besta.

Então, às 4h30 da manhã, volto ao meu marido, que já dorme seu sono pesado de caminhoneiro Shell, e dou o braço a torcer. Não precisa chegar no ponto final do livro pra entender a genialidade de Mainardi – essa sacada se dá já na quinta ou sexta página, quando você entende a motivação e a cabeça do homem. Mas precisa chegar no ponto final pra entender (e assimilar, de uma vez por todas) os caminhos que a gente tem que seguir pra fazer das ideias – e da vida – uma obra de arte, não importa a motivação. Enfim, é pra acompanhar cada passo – dele e, principalmente, de Tito, que hoje sapateia nas poças de Veneza pra fazer pais e mães sorrirem, mundo afora – e aprender a lição.    

domingo, 8 de abril de 2012

Da vaidade, agora na realidade.


Acho que já falei aqui sobre vaidade (e não vou reler tudo pra saber onde e de que jeito, que o tempo é curto e a preguiça é longa). Só sei que, nos dias de hoje, essa palavrinha filha-da-puta me persegue e ganha uma dimensão que dá coceira até no meio da noite. Já perdi a conta de quantas vezes fui e sou cobrada pela falta de vaidade. Meu marido, minha vó, minha mãe postiça. A tríade que-só-quer-meu-bem não cansa de falar - e daí cansa, dá bronca, diz que não vai mais tocar no assunto, pra depois voltar a falar. Tenho travado uma luta interna grotesca com a tal falta de vaidade a que se refere meu pessoal querido e não chego a conclusão nenhuma. É que minha vaidade sempre foi estranha, em parte incompreensível, em parte incompreendida. Mas ei, eu era bonitinha, gostosinha, então as roupas furadas e as botinas (muito) sujas surgiam até como charme pra algumas pessoas; pra outras mais esclarecidas não passavam de desleixo, mas, de novo, ei: eu era bonitinha, gostosinha, então ok, let her be.

A verdade é que eu era, sim, bem vaidosa. Dentro do meu "estilo", sempre que entrava num elevador com espelho a auto-fixação era óbvia. Me olhava de frente, de costas, do rabo do olho. Sabia exatamente como tava a bunda, a boca, o nariz, o caimento da manga no ombro. Conhecia meus melhores ângulos, checava cada detalhe e, na questão de três andares que fossem, já conseguia sair do cubículo consciente de cada centímetro de mim mesma - e me achando profundamente: agora os olhos do mundo são meus.

Hoje, mãe de dois moleques que poderiam ter inspirado o Ziraldo a escrever "Menino Maluquinho", entro num elevador com espelho olhando pra baixo. Isminha, não empurra seu irmão na porta que tá fechando! Tom, não pega o chiclete que tá grudado no chão pra pôr na boca, seu PORCO! Gente, não aperta o alarme do elevador!!! Fodeu, cê apertou, filhinho da puta, a polícia vai prender a mamãe! Cê quer ficar sem sua mãe???? Então SOSSEGA O RABO, moleque da porra!!! Isminha, calça o sapato de novo! Tamo chegando no térreo!!! Não, não aperta o número 3 só porque é sua idade! Tom, cadê você?!! Filho, volta pro carrinho, pelo amor de deus, que a mamãe tem só meia hora pra passar no banco e no cartório antes da reunião das 15h... 

Quando o elevador bate no térreo, é hora de guerra, não de olhar no espelho. Mas se, ainda assim, eu me lembro de levantar os olhos enquanto empurro a porta com a bunda pra puxar o carrinho e dar a mão pro mais velho, o que eu vejo é simples e único: OLHEIRAS.

Oh, boy. Outro dia o apelo veio da Niuka (pra quem não sabe, minha mãe postiça, melhor amiga da minha mãe desde os 15 anos, que nunca casou nem teve filhos, mas parece que (não) fez tudo isso porque sabia que um dia ia ter que cuidar de mim e dos meus pequenos, além das outras mamães e filho(a)s lindo(a)s que ela presenteia com o simples fato de existir). "Bianca, que cabelo é esse?!", no meio da pizzaria, quando eu cometi o deslize de soltar o coque-eterno enquanto corria atrás do Tom e dava esporro no Isminha pra ele ficar sentado e comer a merda da pizza de lingüiça (sim, o tempo passou, mas eu mantenho as tremas). E, verdade seja dita, fazia 10 meses desde meu último corte de cabelo. Shame on me. "Tá parecendo crente. E você tá tão magra que seu braço mais parece uma tripinha." AAAAAHHHHHHH!!!!!!!

E aí vem o maridôncio. Tem hora que me entope de vitaminas tão espessas que preciso tomar de colher - banana, maçã, fibra disso e daquilo, iogurte, proteína e (por que não?) um punhado de couve; tem hora que abre a porta de casa e fecha a cara porque são onze e meia da noite, ele chegou esperando ganhar massagem de uma débora sêco home-made e eu nem banho tomei ainda, com os cabelos desgrenhados e a blusa cheia de dedinhos de chocolate. 

Saio do fatídico elevador, atravesso a Paulista, pego um táxi em que vou gritando por 20 minutos seguidos: Tom, não abre a porta, que a gente vai cair e morrer! Isminha, senta a porra da bunda no banco! Não, o moço do táxi não é o inimigo do Batman, não pode apertar o pescoço dele! Olha o ônibus, que legal! Não, não põe a cabeça pra fora pra olhar o ônibus! Segura o xixi, tamo chegando! Tom, devolve as moedas do moço! Tom, não engole as moedas do moço!! Tom, não vomitaaa!!!!!! 

E chegamos na casa da bisa, pago o taxista mal-humorado (não se sabe por quê), abro um sorriso grande e a primeira coisa que ouço? "Filhinha, que olheira! Você tá comendo? Ai, Bianca, pelo amor de Deus, compra uma roupinha melhor... Você sabe que homem que não encontra o que quer em casa vai atrás em outro lugar!"

PUTA QUE ME PARIU!!!!!!! Desculpaê, mãe, descansa em paz, mas puta que me pariu. Ando numa vontade sem fim de ficar chique, elegantona, estilosa, coisa e tal. Ontem passei no shopping pra comprar um presente-de-privada pro Isminha, que FINALMENTE largou a fralda, e vi ao longe a vitrine da Zara. Achei tudo lindo, vestiria tudo, sem o mínimo senso de haute-couture. Me lembrei de uma cliente chiquérrima, dona de um bistrô francês na Bela Cintra, que falou que M. Officer era "uó", que ela preferia comprar na Zara. Ai, gente, deve ser foda ser chique assim. Ela também tinha dois filhos - e duas babás, duas avós, muito dinheiro e uma boa cozinheira em casa. Enfim, vi de longe a tal vitrine, antes de me atracar numa briga sem fim entre quem ganharia o Senhor Destino e quem ganharia o DVD dos esquilinhos do caralho na Saraiva Mega Store. Já estava cansada e ainda tinha que passar no Extra da Brigadeiro pra comprar a comida do cachorro antes de voltar pra casa (pra quem não sabe, ir no Extra Brigadeiro é o primeiro candidato no meu ranking "Top 3: Inferno pra quê, se já dá pra se foder aqui mesmo?!").  

Domingo de Páscoa, maridão exilado em Campinas pra cobrir a ausência-dengue de um funcionário febril, acordei às 6h30 de preocupação: meu deus, o que vou vestir NA VIDA???? (e sim, no meio dessa delonga toda eu trabalho, escrevo, atendo telefonemas e sou groovy, merci). Mas como minha vó passou mal a noite inteira e foi parar no hospital pra tomar soro, peguei os moleques e desci pelo elevador sem pensar muito (e, claro, sem olhar no espelho). Resultado: passei o dia de calça fusô cinza, camisona preta de caveira e com uns sapatos roxos nada-a-ver, cuidando da minha vó, que tinha voltado de madrugada pra casa. Juro que ela, com sua camisola de arrrrgodão e uma palidez recém-colhida de quem só não vomitou o cu porque ele tá bem preso onde-tem-que-estar (ouviram bem, meninas?), tava mais "aprumadinha" do que eu. E ficamos lá o dia todo, eu e meus meninos maluquinhos, tentando ajudar em alguma coisa enquanto o resto da família - e do mundo - comemorava o domingo de páscoa. Ai, ai, pra não perder o hábito, como eu odeio essa história toda de jesus cristo e o caralho. 

Mas enfim, diagnóstico cansado o meu. Sim, perdi por completo a noção de vaidade. Sim, minha pele tá uma merda, manchada de gravidez(es), cigarro e sol sem protetor; sim, minha cara tá surrada e velha, depois de tantos vires e porvires da vida, que ninguém merece ouvir aqui, pelo menos agora; sim, eu tô magra, nem tanto pela falta de comida e pelo kung fu esporádico quanto pela correria de quem trabalha, cozinha, limpa e cuida de dois filhos em tempo integral, até que surjam das cinzas a nova escolinha e uma assistente de escritório; siiiim, minhas roupas estão uma merda e eu não encontro tempo pra parar numa loja e cuidar disso. Pior: não encontro tempo nem coragem, porque quando tenho 300 reais em mãos pra usar com o que eu bem entender, tem a comida do cachorro, as cuecas do Isminha, o leite do Tom, a conta atrasada do celular. Ei, quanto custa mesmo uma porra de calça na Zara?! Pois bem.

Sim, gente, ainda sou vaidosa. E quando é meia-noite e quinze, os filhos dormem e o marido está fora da cidade, eu finalmente paro na frente do espelho. Vejo cada ruguinha nova no canto dos olhos, estico, viro chinesa por dez segundos. Solto o cabelo (que cortei essa semana, depois da comida de rabo da Niuka) e prendo de novo, que essa coisa de ficar com o cabelo preso o dia inteiro deixa tudo tão amassado que mais vale esperar amanhecer. E aí vejo as olheiras, o rosto meio encovado, a barriga seca - qualquer semelhança com a caveira da camisona é mera coincidência. Lembro que já passa de meia-noite e ainda não tomei banho. Mas, encore, hoje o maridão não volta, as crianças dormiram e o coelhinho da páscoa já virou novela. Minha vaidade, pura e exata, é sentar e escrever. Amanhã o dia começa cedo, com uma lista de página dupla no trabalho e dois moleques cheios de energia - e ainda sem escola. Eu sei, eu sei. Nada é desculpa pra minha falta de vaidade. Só que com esse nível de cansaço, meu povo, tem hora que o mínimo de vaidade me parece luxo. Um luxo que, à meia-noite e tanto, eu não posso me permitir - e que talvez me acorde de sobressalto, de novo e ofegante, às seis da manhã. Outono-inverno da Zara, here I come. Pelo menos em sonho.