quarta-feira, 19 de maio de 2010

Licença-maternidade: ô abre-alas, que eu quero passar com minha pança




Ser mãe, além de essencial à existência de absolutamente tudo que há à nossa volta, é um direito garantido por lei. Porque ser mãe não é engravidar, trabalhar até o último dia do nono mês de gestação, agendar uma reunião com o obstetra pra desencravar o bebê do seu útero e voltar pro escritório no dia seguinte. É claro que algumas mulheres conseguem, como uma tal ministra-Hulk de algum país distante que, segundo meu bem-informado e nada exigente marido, teve um filho e voltou a trabalhar dois dias depois do parto – nem sei se normal ou cesárea, mas que leoa, jesuis. “Claro que deve ter um bom par de babás e provavelmente não amamenta”, disse ele, “mas essa não é a questão”. Outra exceção são os milhões de trabalhadoras fodidas na vida pra quem as Leis da Natureza parecem não ter aplicação.



Mas isso está ERRADO, minha amiga. Ser mãe é respeitar as mudanças no seu corpo e na sua vida e, acima de tudo, poder cuidar da sua cria, caceta. E se você se encontra entre o grupo que não tem superpoderes e está se matando no trabalho por cagaço de perder o emprego ou ser substituída por uma miúda de vinte anos, bunda magra e disposição pra trabalhar dezoito horas por dia pela metade do seu salário, pare e use a cabeça. Isso aqui não é competição pra ingressar na banheira do Gugu e seu bebê exige que você diminua o ritmo, doa a quem doer.



Eu trabalhei bem até o sétimo mês da minha primeira gravidez, mas depois disso meu corpo entrou numa curva descendente e gritava pra mim, de manhã ao sair da cama, logo após os almoços extenuantes com clientes e longas tardes na frente do computador, sacolejando no ônibus lotado pra chegar em casa, comer qualquer coisa e tomar um chuveiro rápido antes de deitar: “CHEGAAAAAAA!”. Outro problema é quando sua cabeça, que já tá a mil por hora por causa da chegada de um bebê, não suporta mais piti de clientes mimados ou exigências de chefes desesperados por resultados.



Isso também influencia na decisão sobre o momento de sair de licença-maternidade, a menos que você seja muito zen e não estresse com pessoas incompetentes, telefones que tocam incessantemente e impressoras que engolem papel, ou que sua rotina de trabalho não envolva fatores irritacionais. Imagino, por exemplo, que pintoras de lindas aquarelas no sul da França, biólogas que estudam o comportamento das tartarugas terrestres aleijadas e mulheres-cobaia das novas linhas de cosméticos e massagens da Helena Rubinstein não passem por isso. O resto das mortais infelizmente passa, então é necessário saber quando e como dar um basta.



No meu caso, a transformação foi radical. Primeiro porque sofro de uma patologia chamada pelos especialistas de AISAPMH – Alta Irritabilidade para Sons Agudos Provenientes de Mulheres Histéricas. Ou seja, me irrito profundamente em ambientes cheios de mulheres falando ao mesmo tempo, discutindo o último capítulo da novela e chorando porque o namorado não ligou, a unha encravou ou o padeiro se esqueceu de tirar a azeitona da empada que elas só-co-mem-sem-a-zei-to-na. Apapu!... Grávida, minha tendência ao mau humor explícito só fez crescer e contaminar situações que antes meus nervos conseguiam encarar, como as crises de um diretor de eventos que me ligava à meia-noite pra falar da morte da bezerra DELE.



Resultado: sentei com minha chefe, assumi minha total incapacidade pra lidar com certas tensões na reta final da gravidez e, em questão de uma semana, saí pra cuidar do que realmente andava ocupado minha cabeça, minhas calças, minhas blusas enormes e meu apetite: o bebê que chegaria logo mais. Diga-se de passagem que nesta altura do campeonato o pobrezinho ainda não tinha berço, carrinho, quarto, nada. Eu tinha muito a fazer antes de abrir as pernas na maternidade para o glorioso momento de pipocar o rebento pra fora.

É importante frisar também que eu chutei o pau da barraca antes dos 45 minutos do segundo tempo porque já tinha tomado a decisão de cuidar do meu filho sem ajuda de ninguém e trabalhar em casa, custasse o que custasse, pra poder ficar com ele. Não tendo minha mãe pra zelar pelo netinho no fim da licença-maternidade e sendo absolutamente alérgica a babás e similares, a única opção que enxerguei foi abrir mão do salário e do emprego fixo pra me virar do jeito que desse sediada em casa.



É aí que começa a graça e surge a Terceira Onda da Maternidade. Analise comigo, sim?



DA PRÉ-HISTÓRIA À DÉCADA DE 70: as mães eram mães em tempo integral. Cuidavam das tarefas do lar e dos filhos 24 horas por dia, sem se aventurar no mercado profissional, seja porque era impossível conciliar as duas coisas, seja porque os maridos neandertais achavam que lugar de muié é em casa, cas teta pendurada no fugão.



DA DÉCADA DE 70 AOS DIAS ATUAIS: onda das mães modernas, que trabalham fora e cuidam dos filhos só no período noturno. Geralmente essas mães precisam ajudar no sustento da casa ou trabalham fora porque gostam mesmo, ponto. A opção pode ser bacana, já que você descansa da maternidade durante um período e vira mãezona pra descansar do trabalho no outro, mas daí você precisa de alguém pra ficar com sua prole durante o dia – seja mãe, sogra, babá ou empregada doméstica com nove braços.



A TERCEIRA ONDA: mães que trabalham em casa E cuidam dos filhos em tempo integral. Quando o bebê dorme, você corre para resolver as pendências do trabalho; se ele não dorme, resolve com ele no colo. Reuniões, eventos, gravações, tudo é feito com o pequeno a tiracolo – e nos perdoem os que ficam constrangidos nos momentos da amamentação. É cansativo, sim, mas eu acredito que não tem nada mais gratificante do que poder acompanhar ao vivo e a cores o desenvolvimento turborrápido do bebê, ao invés de ouvir pelo telefone que o seu filho, que você mesma carregou na barriga por nove meses, disse a primeira palavra dele – e você não estava perto pra ouvir. Pior: a primeira palavra foi “Neide”, nome da babá, pra quem ele estranhamente olha e sorri quando alguém pergunta: “cadê a mamãe?”. O quê?!!! Nem a pau, Juvenal.



Tudo tem seu preço e esse eu resolvi bancar: sou da Terceira Onda, eô, eô. Tô mais pobre e aprendendo a fazer um monte de coisas que nunca imaginei fazer na vida, mas tô feliz de trocar cada fralda e acompanhar cada descoberta do pequeno, ao mesmo tempo em que eu mesma descubro uma nova profissão: a de mãe-jornalista-secretária-produtora-cozinheira-vacaleiteira-assistentedemágico-escritora-tudo-ao-mesmo-tempo-agora-sem-mais-esperar. Diploma só após nove meses de obesidade galopante e outros pares de meses de noites mal dormidas.



Agora, se você não sofre de AISAPMH ou se quer manter seu emprego depois do fim da licença-maternidade e tem com quem deixar o baby, aqui vão as pílulas de sobrevivência da Mulher-Hulk durante os quatro meses de idílio em casa (ou seis, se você for rabuda) e para preparar o terreno na hora de voltar ao trabalho:



1- Assim que puder, converse com seu chefe ou diretor, sei lá, sobre como funciona a licença-maternidade na empresa onde você trabalha. Caso seu emprego seja informal, essa conversa é mais importante ainda, afinal o que vai definir sua vida é o quanto o líder da empresa se comove com o fator maternidade e, claro, o tamanho do cagaço que ele(a) tem de você mover uma ação contra a empresa se seus direitos humamãenos forem desrespeitados.



Comigo foi tudo bem tranqüilo. A dona do lugar em que eu trabalhava era bebê-maníaca, mãe de um lindo ruivinho de sete anos; a empresa tinha força de trabalho 90% feminina e minha superiora direta estava justamente de licença-maternidade quando eu descobri minha gravidez. Os termos da minha saída foram discutidos de forma muito justa e eu também fui honesta, explicando que não pretendia voltar após o nascimento do pequeno gafanhoto. Ou seja, não cheguei nem a tirar licença. Dã! Mas vamos considerar os bons exemplos, sim?



2- O Brasil tem uma legislação bem amiga no que diz respeito à licença-maternidade. Pra você ter uma idéia, nos Estados Unidos, que são os Estados Unidos e que todos sabem que estadosunideiam desde que aprenderam a estadosunideiar, não existe lei federal que proteja a licença-maternidade remunerada. Hã?! É isso mesmo que você acaba de ler, minha cara Wonder Woman. Na América do Norte, Terra das Oportunidades, País das Maravilhas e do Politicamente Correto, onde até criancinhas de cinco anos são processadas por levantar a saia das meninas no recreio, as mamães que não voltam à labuta loguinho simplesmente não têm direito a nada e podem perder o emprego ou deixar de receber suas tão merecidas doletas. Por isso geralmente as americanas voltam ao batente quando a cria está só com um mês de vida. UM MÊS!



Então agora bata no peito e cante com a torcida verde-amarela: “eu sou brasileira, com muito orgulho, com muito amo-ô-o-ô-or!”. Aqui, a “working mom” – ou mamãe trabalhadora f**** na vida – tem direitos. Ela pode sair de licença quatro semanas antes do parto e volta somente três meses depois que o bebê nascer. Se você preferir, também pode trampar até o último minuto de gravidez, sair do escritório de taxi com a cabeça do nenê entre as pernas e acumular um mês a mais no seu rico cofrinho de cárcere doméstico. E agora, para o pasmem da Nação, foi aprovada a licença de seis meses, que já tá entrando em vigor em algumas empresas.



Daí voltar ao trabalho é outra coisa, né, moça? O coração aperta, claro, mas pelo menos o serzinho já tá mais forte e esperto o suficiente pra gritar quando não gosta de alguma coisa, come papinha, toma suquinho e passa o dia todo feliz, batendo gugudadá com a turminha. Santa independência, mãe!



3- Diz minha vó materna que ser mãe é padecer no Paraíso (ela também diz que o mar não tem cabelos e que cu de pato não é gaveta, mas essa é outra história que fica pra uma outra vez). Isso vale para as católicas, judias, budistas, muçulmanas, niilistas e até para as ateias como euzinha. Porque a mãe que nasce em você desde o momento em que aquele palito mijado revela seu milagre intra-uterino já vem acompanhada de dois sentimentos inabaláveis: um amor imenso e, para todos os efeitos, in-des-cri-tí-vel, e uma CULPA maior ainda (se for possível; se não for, tão grande quanto). Culpa por comer peixe cru e fumar dois cigarros por dia durante a gravidez, culpa por cair num sono profundo e não ouvir seu filho chorar de fome no meio da noite, culpa por beliscar a ponta do dedinho dele quando você vai cortar aquelas unhinhas mínimas pela primeira vez e o fiodaputa se mexe, culpa por levá-lo pra tomar vacinas doídas todo mês e ser cúmplice dessa chacina de coxinhas gordas e bracinhos macios, culpa por deixar que ele tome friagem e depois ver o bichinho respirar com dificuldade por causa do nariz entupido e do peito cheeeeio de catarro, culpa por achar que ele tá chorando de birra e daí descobrir que ele tá é todo cagado, com a calça borrada até o meio das costas, culpa por sentir alívio quando ele finalmente pega no sono e você abre uma garrafa muito mal-intencionada de vinho enquanto põe um filme de três horas pra rodar. Finalmente, culpa quando chega a hora de voltar ao trabalho e você acha que tá abandonando seu filho e que ele não vai sobreviver nesse mundo cruel e gargamelístico longe de você.



Culpa, menina-mãe, é sua sina. E se você achava que já conhecia bem esse sentimento, afinal traiu ex-namoradinhos, mentiu pra sua mãe dizendo que tava no cinema e, lá no fundo, ficou feliz quando aquela vagabunda da faculdade bateu o carro novo, estava ERRADA. Culpa, menina-mãe, você só conhece de verdade quando põe um filho no mundo. E o pior é que não precisa de motivo. Então engula a seco e faça o que tem de fazer. Se você precisa ou se simplesmente quer trabalhar fora, tanto faz. O que importa é saber que, se você continuar a ser uma mãezona de primeira quando chegar em casa, seu filhote vai ser feliz. E pra ele será como se você nunca tivesse saído porque amor de mãe e pai tem dessas coisas – invade a sala por baixo do tapete, sobe pelas paredes, pendura alegre no lustre do teto e desce macio até o bercinho, mesmo quando a gente não pode estar por perto o tempo todo.



4- Quando você opta por trabalhar em casa ou abrir seu negócio próprio e cuidar do bebê ao mesmo tempo, saiba que vai ter demanda dos dois lados com a mesma intensidade, afinal um não começa só quando o outro acaba e vice-versa.



O pessoal acha que a mãe que fica em casa é folgadona, né? Pois pode mandar o dedo pra essa galera porque ser mãe em tempo integral é bem trabalhoso – e nem todas são capazes de levar a tarefa adiante porque se vêem às voltas com sérias crises de individualidade, achando que o filho tirou delas a liberdade de ir e vir, substituiu o perfume carésimo e as horas de cabeleireiro por cheirinho de gorfo com cocô, acabou com as horas de namoro embaixo do cobertor e ainda deixou um rastro de pelancas e estrias por onde passou. Ok, cada uma na sua, mas esse tipo de drama costuma ser bem resolvido na cabeça das que são mães 24 horas por escolha.



A minha, por exemplo, não só optou por tomar conta dia e noite dos dois minitrogloditas que fomos meu irmão e eu, como fez tudo de mão cheia. Nossa infância foi povoada de histórias incríveis, muito amor, esporros que fazem meu queixo tremer até hoje e deliciosas tardes de sol tomando banho de esguicho e vitamina de banana. E o mais bacana é que, mesmo se dedicando tanto e unicamente à criação da prolífera prole, minha mãe conseguia ser a pessoa mais interessante em qual-quer roda de qual-quer lugar ou esfera social. Foi uma das pessoas mais versáteis e intelectualizadas que conheci na vida. Era instrumentista e cantora, poeta e pintora, jardineira de dedo verde e excelente cozinheira (e ai, que saudade daquela sopa de cebola); entendia de vinhos, pássaros, cachaças e medicina; devorava livros e filmes, manjava trabalhos de carpintaria e de quebra sabia sempre o que tinha de errado com o motor do carro. Portanto, às mães que têm um pouco de medo de perder a identidade no meio de tanta fralda, eu digo que quem nasce pra brilhar brilha – ponto. É só não deixar nunca de exercitar o que você tem de precioso, tanto nas horas vagas e nos momentos de sossego com os amigos quanto na companhia dos seus filhos, que com certeza vão ser seus maiores fãs.



Agora, se além de tudo você decide associar uma vida profissional em casa ao processo de maternidade em tempo integral, prepare o espírito, concheta, porque é uma maratona. O lance é tentar planejar seu dia e criar uma rotina do jeito que der (e só você vai saber qual é) pra que seu trabalho não passe por cima do bebê e pra que o lindinho não engatinhe em cima dos seus papéis ou grite enquanto você fala no telefone com um cliente ranzinza. Assim que pegar o ritmo, você vai ver que não é tão cabeludo quanto você achou que fosse no começo. E daí você vai se sentir a mais completa – e a mais feliz – de todas as mulheres. Assino embaixo.







4 comentários:

  1. Precisei usar a licença-maternidade só na faculdade, também optei por cuidar da cria tempo integral. Mesmo com mãe e avó por perto, muito perto, diga-se de passagem, fui tomada por uma tsunami 'a-mãe-aqui-sou-eu' e não deixava ninguém lavar uma peça de roupa da minha pequena. Passei pelas dores e prazeres de toda essa aventura e olha, valeu a pena ê ê.
    Hoje, 12 anos depois (agora sim, por motivos profissionais), não estou tão próxima fisicamente quanto gostaria, mas a semente foi plantada, e descobri que estar junto não é estar somente ao lado, e sim, do lado de dentro.
    Beijos.

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  2. Iei, gata! Vale muito a pena. E me cansam as moçoilas que negam tudo que há de profissionalíssimo em ser mãe - cacete, é sim uma carreira e tanto. E agora eu também estou me aventurando do outro lado (por meio período, é vero), enquanto meu pequeno passa a tarde na escolinha. Depois te conto sobre essa. Beijo!

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  3. Bi, a Dona Fabi, ai em cima, é a mãe da minha Sofia!!!
    Guerreira! Especial toda vida!

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  4. Puta merda. A tonta aqui não tinha ligado os pontos. Agora tudo se explica - e se faz mais especial ainda. Agora o senhor está convocado a trazer a Fabi para o próximo encontro no covil (ouviu bem, senhorita?! Estamos falando docê!). E ambos, claro, vão arrastar a pré-adolescente Sofia, menina linda Sofia, pra conhecer o Isminha e encher linguiça com a gente no jardim do estúdio. Que delícia. Vou dormir feliz!

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