domingo, 8 de abril de 2012

Da vaidade, agora na realidade.


Acho que já falei aqui sobre vaidade (e não vou reler tudo pra saber onde e de que jeito, que o tempo é curto e a preguiça é longa). Só sei que, nos dias de hoje, essa palavrinha filha-da-puta me persegue e ganha uma dimensão que dá coceira até no meio da noite. Já perdi a conta de quantas vezes fui e sou cobrada pela falta de vaidade. Meu marido, minha vó, minha mãe postiça. A tríade que-só-quer-meu-bem não cansa de falar - e daí cansa, dá bronca, diz que não vai mais tocar no assunto, pra depois voltar a falar. Tenho travado uma luta interna grotesca com a tal falta de vaidade a que se refere meu pessoal querido e não chego a conclusão nenhuma. É que minha vaidade sempre foi estranha, em parte incompreensível, em parte incompreendida. Mas ei, eu era bonitinha, gostosinha, então as roupas furadas e as botinas (muito) sujas surgiam até como charme pra algumas pessoas; pra outras mais esclarecidas não passavam de desleixo, mas, de novo, ei: eu era bonitinha, gostosinha, então ok, let her be.

A verdade é que eu era, sim, bem vaidosa. Dentro do meu "estilo", sempre que entrava num elevador com espelho a auto-fixação era óbvia. Me olhava de frente, de costas, do rabo do olho. Sabia exatamente como tava a bunda, a boca, o nariz, o caimento da manga no ombro. Conhecia meus melhores ângulos, checava cada detalhe e, na questão de três andares que fossem, já conseguia sair do cubículo consciente de cada centímetro de mim mesma - e me achando profundamente: agora os olhos do mundo são meus.

Hoje, mãe de dois moleques que poderiam ter inspirado o Ziraldo a escrever "Menino Maluquinho", entro num elevador com espelho olhando pra baixo. Isminha, não empurra seu irmão na porta que tá fechando! Tom, não pega o chiclete que tá grudado no chão pra pôr na boca, seu PORCO! Gente, não aperta o alarme do elevador!!! Fodeu, cê apertou, filhinho da puta, a polícia vai prender a mamãe! Cê quer ficar sem sua mãe???? Então SOSSEGA O RABO, moleque da porra!!! Isminha, calça o sapato de novo! Tamo chegando no térreo!!! Não, não aperta o número 3 só porque é sua idade! Tom, cadê você?!! Filho, volta pro carrinho, pelo amor de deus, que a mamãe tem só meia hora pra passar no banco e no cartório antes da reunião das 15h... 

Quando o elevador bate no térreo, é hora de guerra, não de olhar no espelho. Mas se, ainda assim, eu me lembro de levantar os olhos enquanto empurro a porta com a bunda pra puxar o carrinho e dar a mão pro mais velho, o que eu vejo é simples e único: OLHEIRAS.

Oh, boy. Outro dia o apelo veio da Niuka (pra quem não sabe, minha mãe postiça, melhor amiga da minha mãe desde os 15 anos, que nunca casou nem teve filhos, mas parece que (não) fez tudo isso porque sabia que um dia ia ter que cuidar de mim e dos meus pequenos, além das outras mamães e filho(a)s lindo(a)s que ela presenteia com o simples fato de existir). "Bianca, que cabelo é esse?!", no meio da pizzaria, quando eu cometi o deslize de soltar o coque-eterno enquanto corria atrás do Tom e dava esporro no Isminha pra ele ficar sentado e comer a merda da pizza de lingüiça (sim, o tempo passou, mas eu mantenho as tremas). E, verdade seja dita, fazia 10 meses desde meu último corte de cabelo. Shame on me. "Tá parecendo crente. E você tá tão magra que seu braço mais parece uma tripinha." AAAAAHHHHHHH!!!!!!!

E aí vem o maridôncio. Tem hora que me entope de vitaminas tão espessas que preciso tomar de colher - banana, maçã, fibra disso e daquilo, iogurte, proteína e (por que não?) um punhado de couve; tem hora que abre a porta de casa e fecha a cara porque são onze e meia da noite, ele chegou esperando ganhar massagem de uma débora sêco home-made e eu nem banho tomei ainda, com os cabelos desgrenhados e a blusa cheia de dedinhos de chocolate. 

Saio do fatídico elevador, atravesso a Paulista, pego um táxi em que vou gritando por 20 minutos seguidos: Tom, não abre a porta, que a gente vai cair e morrer! Isminha, senta a porra da bunda no banco! Não, o moço do táxi não é o inimigo do Batman, não pode apertar o pescoço dele! Olha o ônibus, que legal! Não, não põe a cabeça pra fora pra olhar o ônibus! Segura o xixi, tamo chegando! Tom, devolve as moedas do moço! Tom, não engole as moedas do moço!! Tom, não vomitaaa!!!!!! 

E chegamos na casa da bisa, pago o taxista mal-humorado (não se sabe por quê), abro um sorriso grande e a primeira coisa que ouço? "Filhinha, que olheira! Você tá comendo? Ai, Bianca, pelo amor de Deus, compra uma roupinha melhor... Você sabe que homem que não encontra o que quer em casa vai atrás em outro lugar!"

PUTA QUE ME PARIU!!!!!!! Desculpaê, mãe, descansa em paz, mas puta que me pariu. Ando numa vontade sem fim de ficar chique, elegantona, estilosa, coisa e tal. Ontem passei no shopping pra comprar um presente-de-privada pro Isminha, que FINALMENTE largou a fralda, e vi ao longe a vitrine da Zara. Achei tudo lindo, vestiria tudo, sem o mínimo senso de haute-couture. Me lembrei de uma cliente chiquérrima, dona de um bistrô francês na Bela Cintra, que falou que M. Officer era "uó", que ela preferia comprar na Zara. Ai, gente, deve ser foda ser chique assim. Ela também tinha dois filhos - e duas babás, duas avós, muito dinheiro e uma boa cozinheira em casa. Enfim, vi de longe a tal vitrine, antes de me atracar numa briga sem fim entre quem ganharia o Senhor Destino e quem ganharia o DVD dos esquilinhos do caralho na Saraiva Mega Store. Já estava cansada e ainda tinha que passar no Extra da Brigadeiro pra comprar a comida do cachorro antes de voltar pra casa (pra quem não sabe, ir no Extra Brigadeiro é o primeiro candidato no meu ranking "Top 3: Inferno pra quê, se já dá pra se foder aqui mesmo?!").  

Domingo de Páscoa, maridão exilado em Campinas pra cobrir a ausência-dengue de um funcionário febril, acordei às 6h30 de preocupação: meu deus, o que vou vestir NA VIDA???? (e sim, no meio dessa delonga toda eu trabalho, escrevo, atendo telefonemas e sou groovy, merci). Mas como minha vó passou mal a noite inteira e foi parar no hospital pra tomar soro, peguei os moleques e desci pelo elevador sem pensar muito (e, claro, sem olhar no espelho). Resultado: passei o dia de calça fusô cinza, camisona preta de caveira e com uns sapatos roxos nada-a-ver, cuidando da minha vó, que tinha voltado de madrugada pra casa. Juro que ela, com sua camisola de arrrrgodão e uma palidez recém-colhida de quem só não vomitou o cu porque ele tá bem preso onde-tem-que-estar (ouviram bem, meninas?), tava mais "aprumadinha" do que eu. E ficamos lá o dia todo, eu e meus meninos maluquinhos, tentando ajudar em alguma coisa enquanto o resto da família - e do mundo - comemorava o domingo de páscoa. Ai, ai, pra não perder o hábito, como eu odeio essa história toda de jesus cristo e o caralho. 

Mas enfim, diagnóstico cansado o meu. Sim, perdi por completo a noção de vaidade. Sim, minha pele tá uma merda, manchada de gravidez(es), cigarro e sol sem protetor; sim, minha cara tá surrada e velha, depois de tantos vires e porvires da vida, que ninguém merece ouvir aqui, pelo menos agora; sim, eu tô magra, nem tanto pela falta de comida e pelo kung fu esporádico quanto pela correria de quem trabalha, cozinha, limpa e cuida de dois filhos em tempo integral, até que surjam das cinzas a nova escolinha e uma assistente de escritório; siiiim, minhas roupas estão uma merda e eu não encontro tempo pra parar numa loja e cuidar disso. Pior: não encontro tempo nem coragem, porque quando tenho 300 reais em mãos pra usar com o que eu bem entender, tem a comida do cachorro, as cuecas do Isminha, o leite do Tom, a conta atrasada do celular. Ei, quanto custa mesmo uma porra de calça na Zara?! Pois bem.

Sim, gente, ainda sou vaidosa. E quando é meia-noite e quinze, os filhos dormem e o marido está fora da cidade, eu finalmente paro na frente do espelho. Vejo cada ruguinha nova no canto dos olhos, estico, viro chinesa por dez segundos. Solto o cabelo (que cortei essa semana, depois da comida de rabo da Niuka) e prendo de novo, que essa coisa de ficar com o cabelo preso o dia inteiro deixa tudo tão amassado que mais vale esperar amanhecer. E aí vejo as olheiras, o rosto meio encovado, a barriga seca - qualquer semelhança com a caveira da camisona é mera coincidência. Lembro que já passa de meia-noite e ainda não tomei banho. Mas, encore, hoje o maridão não volta, as crianças dormiram e o coelhinho da páscoa já virou novela. Minha vaidade, pura e exata, é sentar e escrever. Amanhã o dia começa cedo, com uma lista de página dupla no trabalho e dois moleques cheios de energia - e ainda sem escola. Eu sei, eu sei. Nada é desculpa pra minha falta de vaidade. Só que com esse nível de cansaço, meu povo, tem hora que o mínimo de vaidade me parece luxo. Um luxo que, à meia-noite e tanto, eu não posso me permitir - e que talvez me acorde de sobressalto, de novo e ofegante, às seis da manhã. Outono-inverno da Zara, here I come. Pelo menos em sonho.