terça-feira, 30 de novembro de 2010

Brusca poesia da mulher cansada

Enquanto um dorme no carrinho
O outro escreve poesias em danoninho
Viva que pintamos as paredes de azul!

"Deve ser isso que chamam de felicidade"
Dizem as olheiras fundas de uma mãe sem sono
Sem vaidade.

Tenho preguiça de fazer versos e contar sílabas
E preguiça maior ainda de lembrar das regras de rima
Penso dez, quinze, mil vezes na lista exígua do aniversário.
Olha que tenho tanto a comemorar.
Isminha fez dois anos - ninguém sabe, ninguém viu,
Tom nasceu, pegou meningite, internou, voltou inteiro - ufa. Quem foi que soltou essa bufa?
Foi Domingos, o maltrapilho. Tá sendo adestrado, quatrocentos merréis por mês.
Ismael trabalha dia e noite, noite e dia. O que tem pra jantar, Dona Maria?

Eu fico assim, Homem Aranha numa mão, pequeno faminto noutra.
Vinte e nove anos. Vinte e nove anos, ela diz!
Nunca pensei que pudesse ser tão feliz.
Nunca pensei que pudesse ser feliz.

Penso na minha mãe, lá embaixo da terra. A essa hora já deixou de ser pele e osso pra ser só osso e roupa.
Não me lembro com que roupa a enterrei, mas lembro que foi de tênis.
Porque ela andava pra cima e pra baixo de tênis
E porque o pai dela, meu avô, era igual.
Daí meu cachorro vadio ganhou o nome dele
Porque é peludo igual - mas meu avô não tinha pedigree.
"Ponto pra ele!", diz meu marido, do alto da cadeira de juiz
E eu nunca pensei que pudesse ser tão feliz.

Do alto da cadeira, as bolas passam
Os dias passam
As amizades passam.

Meu deus, onde foi que eu errei?
E passa a lista...
.
.
.
.
.
.
.
.

Caralho, meu deus. Só perguntei por perguntar.
Ainda bem que não acredito em você.

Tom dorme no carrinho, Isminha no sofá.
E o brusco silêncio que invade a casa dá vontade de chorar.